Cadeira nº 1 – Patrono: Francisco Carlos de O. Sobrinho

Cadeira Nº. 01 – Patrono: Francisco Carlos de Oliveira Sobrinho,

Ocupada pelo Acadêmico Reginaldo Claudino da Silva

Francisco Carlos de Oliveira Sobrinho (Chico Carlos)

Foto Fornecida pela Fámilia

Por Elizabeth Oliveira

Cidadania como legado

Nascido sob o signo de escorpião, em 18 de novembro de 1938, Francisco Carlos de Oliveira Sobrinho tinha apenas 12 anos quando deixou a sua cidade natal, Governador Dix-Sept Rosado, naquela época ainda denominada de São Sebastião. O abalo emocional, provocado pela morte do pai, foi a principal motivação para que aquele menino sentisse o desejo de partir em busca de mais oportunidades na região Sudeste. Seguiria, assim, a saga de tantos outros conterrâneos, nascidos em famílias numerosas e com poucas perspectivas de avanços socioeconômicos nas suas localidades de origem. A coragem para enfrentar os desafios, uma das suas principais características pessoais (já percebida na infância), foi fundamental nessa primeira grande mudança que marcaria a sua trajetória.

Na condição de filho mais novo de uma família de dez irmãos, Francisco Carlos foi levado para morar com um dos irmãos mais velhos que já vivia em São Paulo. Ele costumava contar que não levava quase nada na bagagem, quando deixou o Nordeste, e que ao Sudeste chegou sem documentos e sem recursos financeiros, mas com uma grande vontade de aprender tudo o que fosse possível. Trazia consigo, também, o desejo de voltar um dia à terra onde nasceu, para compartilhar experiências e lições aprendidas. Essa determinação contribuiu para que o retorno se tornasse possível, algumas décadas depois da partida.

Em São Paulo veio a primeira oportunidade de avanços nos estudos. Embora tenha passado os primeiros anos de mudança de vida com muito entusiasmo pelas descobertas que se tornaram possíveis naquele Estado, ao chegar à adolescência, Francisco Carlos já estava certo de que não era ali que gostaria de ficar. Pretendia conhecer o Rio de Janeiro, onde também tinha familiares que poderiam apoiá-lo inicialmente e onde já intuía que fincaria raízes. Assim, partiu para a Cidade Maravilhosa, ainda na década de 1950, decidido a se alistar no serviço militar e a começar outra fase desafiadora da vida pessoal.

A admissão no Exército, em uma unidade onde atuou como paraquedista, foi o primeiro desafio superado no Rio. Ele contava com muito orgulho essa experiência vivida e relatava que aquele havia sido um dos períodos mais fundamentais da sua vida pessoal, pelo grande aprendizado sobre exercício de cidadania, disciplina, respeito à coletividade e importância do trabalho em cooperação. Essas características teriam importância central para a sua formação humana e para a definição de novos objetivos profissionais.  Pelo excelente desempenho alcançado recebeu convite para seguir carreira militar, mas o jovem paraquedista sentia que precisava alçar novos voos fora das Forças Armadas.

Assim, após a saída do Exército, ele partiu em busca de trabalho e a primeira ocupação conquistada também seria determinante para a sua formação intelectual: começou a vender livros com um amigo que participava de feiras culturais no Rio. A cidade com seus inúmeros cinemas e teatros, além daquelas obras literárias que lhe passavam pelas mãos, despertaram ainda mais o desejo de aprender que o acompanharia ao longo de toda a vida. A partir de então, ele se tornou um leitor apaixonado por crônicas, romances e, principalmente, por poesia. Essa avidez por leitura e a memória privilegiada contribuíram para que pudesse recitar, sem dificuldades, poemas clássicos de Castro Alves, Augusto dos Anjos, Olavo Bilac, além de Luiz de Camões, entre tantos outros poetas consagrados que o encantavam. 

Foi no Rio antigo, cidade cortada por bondes e de intensa atividade cultural, que Francisco Carlos decidiu formar uma família, ao conhecer Luzia Maria. Ela era uma auxiliar de enfermagem que também tinha saído na infância da sua cidade, no interior de Minas Gerais, para morar com uma irmã mais velha que já tinha decidido tentar a sorte no Rio. Da união desse jovem casal, na década de 1960, nasceram três filhos (Vinícius, Elizabeth e Pedro) que tiveram o privilégio de desfrutar da companhia de um pai amoroso, inteligente, generoso, comprometido e extremamente culto.

O compromisso assumido com a formação de uma família motivou Francisco Carlos a buscar novos avanços na vida profissional. Sendo um jovem culto e comunicativo foi construindo amizades e conquistando espaços. De vendedor de livros em feiras itinerantes passou a trabalhar em uma livraria no Centro do Rio, onde o proprietário João Babo, um português bem-humorado e solidário, viria a ser padrinho da sua filha, além de um grande amigo da família. O espaço literário era frequentado por artistas de teatro, jornalistas, poetas e escritores. Assim, ele teve a oportunidade de conviver com importantes nomes das artes e da intelectualidade na década de 1960, quando o país já enfrentava as dificuldades impostas pela ditadura militar. Foram tantas as histórias vivenciadas e ouvidas, que ele precisava compartilhar com os familiares e amigos. E, diga-se de passagem, desde então se tornou um contador de histórias capaz de encantar os seus ouvintes e de se desligar do relógio diante de uma boa prosa.

Disposto a aprender continuamente, à medida que a família crescia, o jovem Francisco Carlos buscava ampliar as alternativas de sobrevivência e as melhorias profissionais. Dessa forma, passou a trabalhar como bancário. Mas, mesmo tendo deixado o balcão da livraria, não abandonou a paixão pelos livros, além de ter-se tornado, também, um assíduo leitor de jornais (hábito que cultivou enquanto viveu). No final da década de 1960, ainda dividia um táxi com um amigo, ofício que naquela época já era muito comum no Rio de Janeiro, como forma de complemento de renda mensal.

Conhecendo a cidade do Rio como a palma da mão, gostando de dirigir, sendo comunicativo e bem informado, o jovem Francisco Carlos não tardou a receber uma proposta para ser motorista particular de um empresário bem sucedido. Aceitou mais uma vez o desafio de partir para uma nova atividade e exerceu com zelo e comprometimento o ofício até o final da década de 1970. Nessa profissão passou por grandes empresas e teve a oportunidade de conviver com industriais, economistas, acadêmicos, engenheiros e outros profissionais influentes. Eles se encantavam com o alto nível intelectual daquele motorista que, de tanto ler (inclusive livros especializados em diversos ramos do Direito), já sonhava ser um advogado. Sua intuição lhe dizia que esse ideal seria conquistado depois de um longo caminho que teria a percorrer.

As sementes da trajetória de regresso começaram a ser plantadas em uma viagem de férias. Depois de ter passado quase três décadas sem voltar ao Rio Grande do Norte, Francisco Carlos conseguiu visitar a sua cidade natal, em meados da década de 1970. O contato com parentes e com os ambientes por onde passou, quando criança, avivou no coração daquele potiguar o desejo de deixar o Rio de Janeiro e de retornar às origens. Ele sabia que seria complicado abandonar a trajetória construída e se transferir, com a esposa e os três filhos adolescentes, para um lugar totalmente desconhecido daquela família. Mas estava disposto a tentar, sobretudo porque sentiu que o seu lugar tinha evoluído pouco durante todo o tempo que esteve distante. Além disso, achava que seria capaz de contribuir para melhorias na localidade onde nasceu. Ideias de atuar na carreira política, sugeridas por pessoas com quem manteve contato, primeiramente pareciam muito longe da realidade, mas depois passaram a fazer parte dos seus sonhos de retorno.

De volta ao Rio compartilhou com a família e com os amigos o desejo de viver no Rio Grande do Norte. Foi desaconselhado por todos. Afinal, naquela época, ainda era comum as pessoas deixarem o Nordeste em direção ao Sudeste em busca de melhores condições de vida e, não o contrário, como ele pretendia. Mas a ideia ia ganhando força. Tanto que, pouco tempo depois, ele propôs à família ir sozinho, primeiramente, para avaliar as reais possibilidades de ingressar na vida política. Assim o fez e conseguiu formar uma chapa para disputar a prefeitura da sua cidade natal. No entanto, a tentativa não teve êxito. Ele então voltou ao Rio decidido a se reorganizar e também a convencer a família a companha-lo em uma viagem de regresso, futuramente. Foi a partir dessa experiência que passou a ser carinhosamente chamado de Chico Carlos pelos seus conterrâneos e que plantou uma semente que daria frutos importantes algum tempo depois.

Depois de vislumbrar perspectivas de atuar como bancário caso decidisse retornar ao Rio Grande do Norte, Francisco Carlos conseguiu convencer a família a tentar uma adaptação no Nordeste e, no final da década de 1970, fez a sonhada viagem de regresso acompanhado pela esposa e pelos filhos. A oportunidade de trabalho no Banco do Estado do Rio Grande do Norte, o extinto Bandern, se confirmou e nessa instituição ele conseguiu atuar por 13 anos, com desempenho exemplar.

Paralelo ao trabalho como bancário, Francisco Carlos também foi se fortalecendo no cenário político da sua cidade natal. Sabia que precisaria construir o caminho para alcançar a liderança e conquistar a confiança da população, depois de tanto tempo distante. Além disso, também estava disposto a tornar realidade o sonho de ser advogado e deu tudo de si para que todos os ideais se concretizassem.

Assim, retomou os estudos para se atualizar, antes de tentar o vestibular. Quando alcançou o objetivo, a aprovação nesse processo seletivo foi considerada uma grande vitória para um homem maduro. Mas ele não demonstrava qualquer sinal de cansaço ou de desânimo. Pelo contrário, irradiava energia e vitalidade para encarar o novo desafio. Dessa forma, conseguiu com a sua experiência pessoal servir de exemplo de garra e determinação não somente para a família, mas para todos aqueles que acompanhavam e admiravam a sua bela trajetória.

Francisco Carlos trabalhou e estudou arduamente, até conseguir se formar em Direito aos 54 anos. Advogou com excelência por cerca de 15 anos e se tornou um orador e um intelectual ainda mais brilhante no exercício da profissão tão sonhada. Nesse processo de superação de muitos desafios pessoais também avançou na carreira política. Foi vereador de 1983 a 1988, tendo grandes serviços prestados. Pelo reconhecimento ao seu engajamento às causas públicas locais venceu a eleição na década seguinte e atuou como prefeito de 1992 a 1996.   Sua gestão abriu caminhos para inúmeros avanços na localidade, sobretudo na área de educação, uma de suas prioridades. Buscou implementar um novo padrão de qualidade para as escolas da cidade e da zona rural, a partir de reformas de antigos estabelecimentos, construção de espaços para a prática de esportes, aquisição de materiais e equipamentos, melhoria das condições de trabalho, entre tantas ações.

Depois de atuar como vereador e prefeito, Chico Carlos estava convencido de que mais do que a realização de um sonho, havia dado uma contribuição pessoal ao fortalecimento da democracia local e plantado uma semente de estímulo à busca de mais avanços sociais, sobretudo, para as novas gerações. Mesmo tendo decidido a se dedicar, dali por diante, ao exercício da advocacia, ele continuou acompanhando atentamente as questões de interesse público da sua cidade natal. Advogando, intensamente, teve a oportunidade de lutar, também,     pelo respeito aos direitos individuais e coletivos, inclusive com a prestação de serviços gratuitos para muitas pessoas que não podiam pagar pela defesa de suas causas.

Francisco Carlos foi um homem muito preocupado com a proteção da infância e muito generoso. Por essas fortes características pessoais ainda teve a coragem, já na maturidade, de adotar uma criança. Assim se tornou oficialmente o pai de Luiz, com quem teve pouco tempo de convivência, devido aos problemas de saúde que enfrentou, embora tenha demonstrado, mais uma vez, a sua grande capacidade de exercício da solidariedade e de defesa da justiça social.

Em 2008, Chico Carlos faleceu, aos 69 anos, e foi sepultado na sua cidade natal, cumprindo assim, o desejo de ali estar até o final de sua trajetória. Advogou brilhantemente e até mesmo depois de sua morte, diversas causas às quais tinha se dedicado nos últimos anos de vida, foram julgadas pertinentes.

À família, aos amigos e a todas as pessoas com quem conviveu, Chico Carlos deixou uma lembrança de otimismo, capacidade de superação das adversidades e de luta em defesa incondicional dos direitos individuais e coletivos. Foi um homem que assumiu com dignidade as causas públicas e que honrou todas as responsabilidades ao longo da vida. Deixou como legado o exemplo de cidadania que soube exercer ao longo de toda uma existência de muitos êxitos. Sua contribuição à construção de um mundo mais humano e igualitário está na memória de todos os que tiveram o privilégio de desfrutar da sua convivência.